domingo, 23 de junho de 2013

Daqui de onde estou, no meu trabalho, vejo os anônimos que passam. Há anônimos de todo tipo. O mundo é feito de anônimos...

Anônimos de toda espécie: abatidos, deprimidos, angustiados. Anônimos pra quem a vida é um eterno gélido inverno. Se morressem e fossem diretamente para o inferno, quem sabe nem sofreriam... iriam preferi-lo ao frio deste mundo.

Uma coisa que sempre penso: como será o inferno... se ele existe? E se ele existe talvez seja o melhor lugar do mundo pra esses anônimos abatidos.

Vou explicar:

Um anônimo ansioso, inquieto com o amanhã... um anônimo sofredor com um câncer que lhe corrói o corpo e a alma lentamente.... um anônimo cheio de esperança que nunca alcança... um anônimo que é tão anônimo que nem mesmo sabe que ele próprio existe.... que vidas tristes.

E esses anônimos têm de continuar vivendo, muitas vezes, como se a dor não os estivesse corroendo.

No inferno não precisariam fingir. Tá doendo, grita de dor... tá sofrendo, urra seu sofrimento... não está aguentando, desaba, se contorce, bate com a cabeça na parede até quebrar - a cabeça ou a parede, tanto faz - se enfia num buraco e se deixa aí ficar... no inferno, de manhã, ninguém tem de levantar e sair pra trabalhar... ninguém tem conta pra pagar, ninguém tem um alguém pra cuidar, ninguém tem alguém pra amar.

Então no inferno é melhor... é você com você se contorcendo de dor... e como todo ser humano se acostuma a tudo... vai se acostumar a se contorcer, vai chegar uma hora que os músculos não vão mais doer, que o inverno emocional de tão frio congela tudo... e congelado você fica numa dormência eterna... pronto! Chega a tranquilidade... volta a sanidade.

Pode ser que logo depois começa tudo outra vez.... mas se essa é a rotina... ótimo! O ser humano se acostuma com a rotina... rotina quer dizer zona de conforto, lugar conhecido... sem surpresas... então, adeus ansiedade, pois não haverá novidades.

Se o inferno for assim....

domingo, 16 de junho de 2013

Conheço muita gente que luta pela vida. Luta por uma vida digna. A primeira Maria que marcou minha vida foi minha bisavó materna: Maria Guilhermina. Quando ela chegou à nossa costa, foi batizada à força com esse nome aí... ficou conhecida como bisa Mina.... Maria simplesmente despareceu... ela quase que se esqueceu de que havia recebido esse nome tão bonito. O nome da virgem Maria.

Quando ela conseguiu alforria, manteve o sobrenome do seu senhor: Maria Guilhermina Nunes de Barros... e toda a sua história passada se resumia a isto: uma época distante, na longínqua África, uma viagem em um navio negreiro, uma chegada às costas brasileiras... uma vida dura nas plantações de café e, enfim, uma carta de alforria.

Mas, isso, lamentavelmente, não aconteceu apenas com  minha bisavó. Ao chegarem à nossa costa, os escravos eram, na maior parte batizados à força, não importando a fé que professavam. Além disso não falavam português, o que dificultava em relação aos nomes. Em virtude de tudo isso passavam a se chamar: Rodrigo, Felicidade, Julio, Miguel, Guilhermina, como minha bisa. Não há indicações de que um nome de família tenha sido então atribuído.

Então, de maneira bem geral, negros africanos, que  foram trazidos ao Brasil como escravos, e dos quais há tantos descendente, foram obrigados a deixar para trás seu passado, seu nome e a identificação de sua origem tribal.

Aqui foram batizados com um nome cristão e os sobrenomes que  lhes eram atribuídos muitas vezes eram os mesmos de seus senhores. Quando isso não ocorria, os senhores lhes davam sobrenomes de origem religiosa, como Batista, de Jesus, do Espírito Santo.

Minha bisinha, que Deus a tenha, foi a primeira Maria que deixou marcas indeléveis em mim.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Escravo! Escravizar! Escravidão!

Quando olho para as pessoas de maneira geral me pergunto: 'como o ser humano conseguiu e consegue olhar para outro ser humano, apontar com o dedo, chamá-lo em sua direção/capturá-lo, comprá-lo, fazer dele um escravo?'.

 A palavra escravo vem do latim sclavus, cujo significado é "pessoa que é propriedade de outra”; e de slavus, que significa “eslavo”, pois muitas pessoas desta etnia foram capturadas e escravizadas em outros tempos. Tirei essas informações da Wikipédia... a que se refere aos povos eslavos não encontrei referências confiáveis para atestá-las (lembrete: algo sobre o qual ainda irei pesquisar mais).

Eu tenho uma lança... eu tenho um boi... eu tenho uma casa... eu tenho um carro... eu tenho um iate...eu tenho... eu tenho.... eu tenho...

Eu tenho uma pessoa, ela é minha por direito - e ela não tem direito nenhum. Eu a capturei... eu a comprei... sei lá.... portanto, sou seu dono.

De maneira geral, os seres vivos - os complexos ou os mais simples - são dependentes de vários elementos que estão ao seu redor para subsistir e manter-se vivos. O ser humano - um ser vivo dos mais complexos - desde sempre manteve uma relação de posse com 'coisas' que estão à sua volta. Estudos arqueológicos comprovam isso.

Nessa relação de posse do homem com determinadas coisas, o homem se reconhece como senhor delas, como dono - que no dicionário aparece como aquele que possui, não necessariamente o criador.

'Sou dono de trezentos homens!" O ser humano transformado em mercadoria.

 'Tudo bem!', diriam alguns 'negros e índios não têm alma'.

Penso aqui com os meus botões: quanto de inteligência, de discernimento, de bom senso têm/tinham os que assim pensavam? Quanto de alma 'eles' têm/tinham?

sábado, 25 de maio de 2013

Sempre pensei que quem lesse bastante, escreveria com facilidade e bem. Engano. Ler e escrever são duas coisas bem diferentes.

Também pensei que para escrever fosse suficiente ter ideias geniais, inusitadas, autênticas e originais. E minha mente é prolífica; então, produzir é comigo  mesmo. Mas técnica e elegância para usar as palavras e construir sentenças ficam muito atrás da minha capacidade de produção.

Pesquisei cursos que me possibilitassem escrever um livro editorialmente viável. Muito caro.

Então, fiz diferente. Analisei a ementa desses cursos e decidi por conta própria estudar os assuntos que são tratados nas aulas. Uma tremenda chatice.

Então, mesmo deselegantemente, comecei a teclar. E vou teclar até as sentenças fluírem do teclado igualzinho como as ideias fluem de minha mente.

E minha meta não é milhares de leitores como os autores mais lidos do mundo. Não, se meu pai e meu avô lerem o que escrevo e discutirem entre si as minhas palavras, e me derem um feedback crítico, já serei o escritor mais realizado do mundo.

Você deve estar achando que minha meta é muito fácil. Engano. Papai e vovô são quase os melhores leitores do mundo.  E são honestos. E eu quero honestidade. E eu só quero a melhor crítica.
Nasci e vivi no morro. Do morro só saí pra procurar trabalho. Não que não houvesse trabalho lá, mas não era o tipo de trabalho que me agradava. Fiquei tentado a aceitar dinheiro aparentemente fácil? Claro, sou humano. Mas tenho princípios, recebi uma boa educação e jamais trairia a fé depositada em mim pelos meus avós e meus pais.

Se foi fácil aqui em baixo? Não, não foi. Mas não foi pra mim como não é pra um monte de gente. Mas eu sou lutador; aprendi cedo que na vida é preciso lutar pra conseguir o que se quer. E eu não tenho medo da luta. E quando entro, é pra ganhar... ou no mínimo empatar.

Minha casa no morro: dois quartinhos e uma minúscula cozinha. O banheiro? Não há. Dividimos o de meus avós que têm sua casinha grudada na nossa. Sim, grudada. A parede de meu quarto é a mesma parede da cozinha de vovó.

Mas a vista ao colocar a cara pra fora da janelinha de meu quarto! Poucos, mas pouquíssimos mortais têm. Cidade Maravilhosa! Imensidão de telhados... bem lá embaixo... imensidão do mar... até onde meus olhos de menino conseguem enxergar.

Cresci sim, mas mantenho os olhos de menino, a curiosidade de menino... acho que vou morrer menino. Lá em cima, eu me sinto um rei. Acho que é assim que reis se sentem: com o mundo a seus pés.

Mas isso é só de mentirinha. Não quero ninguém a meus pés, quero igualdade, quero paz pro meu mundo... e pra o de todo o mundo. Sou pela total solidariedade. Sou da paz.

No turbilhão de ideias que tomam todos os espaços da minha cabeça, surgiu a ideia de escrever.

Mas confesso uma coisa: escrever não é fácil. As ideias vêm aos turbilhões mesmo, mas como organizá-las e colocar em forma de palavras numa folha de papel ou na tela do computador?

Já li centenas de livros. Meu avô e meu pai já devem ter lido milhares. Foi deles que herdei o gosto pela leitura. Nas noites quentes de verão, ficava horas ouvindo os dois debatendo, conversando, comentando sobre um livro ou outro. Autores nacionais, estrangeiros... antigos, atuais... os clássicos. Acho que eles já leram quase tudo o que foi escrito. E eu... eu ainda tenho muito caminho pela frente.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Sou um homem alto, com o corpo bem definido pela Capoeira, musculação, natação e pelo Muay thai - uma arte marcial (boxe tailandês) originária da Tailândia.

Gosto de esportes, de vida ao ar livre; gosto do mar... e acho que por isso escolhi trabalhar onde trabalho - em frente ao mar.

Da ampla parede de vidro que separa meu local de trabalho - o hall da clínica - do mundo lá fora, vejo a praia de Copacabana. Um pedacinho da praia... a imensidão do mar, vejo quando subo ao átrio - 32º andar - sempre que é preciso.

Da parede de vidro, do olhar o mar - que trouxe meus antepassados - do movimento lá fora, do silêncio aqui dentro, apenas interrompido pelo zzzzz e clique dos dois elevadores que param e abrem suas portas.... zzzz e clique!  zzzz e clique!, do rumor silencioso de vozes que às vezes passam pela hall, das Marias da minha vida, das Marias (não todas) da clínica, surgiu a ideia de escrever.

Durante o meu trabalho, tenho de ficar como um poste: parado, sem emitir qualquer som, atento como uma lâmpada com sensor que sabe exatamente em que momento acender e logo apagar. E eu fico: sou um poste no interior do hall. Se você passar em frente à clínica, olhar pra dentro, verá um poste, com terno e gravata: eu.

Meu corpo está lá estático, minha atenção também. Mas, sabe que cansa ficar lá dia após dia inerte?
Então arrumei alguns artifícios para tornar meu tempo mais agradável... aproveitar o tempo quando tudo é o maior silêncio - porque a qualquer rumor de vozes, a qualquer zzzz clique!, volto a me tornar alerta, coloco minha atenção totalmente no espaço que é meu trabalho... silencio minha mente.

Porém, no silêncio total do hall, o barulho na minha mente é simplesmente fenomenal.

domingo, 19 de maio de 2013

Meu nome é José Sousa da Silva Filho. Tenho 36 anos;1,82 m, peso 95 quilos.

Nasci e cresci na maravilhosa Cidade Maravilhosa - Rio de Janeiro. Sou descendente de escravos: meus tataravós, embarcados na ilha de São Tomé, originários da Costa da Mina, área que atualmente abrange Benin, Nigéria e Togo, aportaram no Brasil no fim do século XVIII, para trabalhar nas minas de ouro e diamantes.

Sou Porteiro/Segurança de uma Clínica de Reprodução Humana Assistida - uma multinacional que se instalou entre as centenas de hotéis, restaurantes, casas noturnas, bares, e bem em frente à Praia de Copacabana, na avenida Atlântica, nº 0000.

Duas são as paixões da minha vida: a escravidão dos negros no Brasil (e de quebra em outros lugares do mundo) e Maria.... não uma Maria especial, e sim tudo e todas que têm o nome de Maria.

Não sou nada bom com essas coisas de escrever, Português nunca foi minha disciplina favorita na escola (terminei o Ensino Médio); do que eu gostava mesmo era da disciplina de História.

Mas gostava de ler de tudo, de tudo mesmo. E de tanto ler tudo o que me cai nas mãos, aprendi um pouquinho mais sobre a língua que falo e que estou usando agora pra escrever; mas, acredite, pra não errar feio, uso o dicionário a cada dez ou vinte palavras; se mesmo assim você encontrar erros, me desculpe.

Talvez até eu terminar de escrever minha história, adote-o como minha terceira paixão, por enquanto Zé Primeiro - nome que dei ao meu dicionário - é só meu melhor amigo.

Além de minhas 'ferramentas' de trabalho, durante o dia, não sai do bolso do meu casaco o pequeno dicionário - completamente arrebentado, de tanto ser folheado.

Além dos livros que carrego à noite quando vou para o curso preparatório para o vestibular - sim, vou fazer faculdade de História, se Deus quiser -, o que vem junto comigo é Zé Primeiro.

Então, veja o que carrego sempre comigo: na cabeça: escravidão; no bolso: dicionário; e Marias no coração.